sábado, março 10, 2007

Enfim, só.

Após ter reunido o equipamento necessário, iniciou a descida ao buraco descoberto nas dependências do templo pelo qual era responsável. Tinha a intuição de que havia algo grande a ser descoberto. Afinal, quanto mais oculto o tesouro, mais valioso.

Enquanto avançava nas profundezas a passos cuidadosos, amparado pela luz do lampião, deixava encantar-se com os detalhes das pedras que o cercavam. O coração turbulento determinava a velocidade do pensamento: “Eles vão ver. Vou mostrar a todos que não sou um inútil”, até sacudir a cabeça: “Ah, concentre-se! Malditos críticos. Sempre perturbando a minha paz”.

Após longos metros confrontando o subterrâneo, começou a duvidar da sua intuição, pois da sanidade já não tinha mais certeza. Não encontrara nada. Nenhuma jóia mágica, nenhuma livro sobrenatural.

Sentou para recuperar o fôlego numa protuberância da parede. Acompanhando o movimento do antebraço ao livrar-se do suor acumulado na testa, uma passagem se abre preguiçosamente. Tinha acionado um mecanismo oculto.

Com a respiração curta, entrou na caverna. Seu lampião mostrava nas paredes as inscrições de uma civilização há muito tempo esquecida. Centenas de relíquias dispostas sistematicamente pelo chão, aguardando um descobridor. Aguardando-o.

Esticara a mão para manipular uma estátua translúcida de uma figura incomparável. Antes das pontas dos dedos trêmulos entrarem em contato com o objeto, um estrondo estupendo reverberou pela caverna, jogando-o contra a parede. Ouviu ruídos similares, porém, bem mais distantes. Acreditou que não foram causados por nenhum dos seus atos, mas sua audição indicava que provinham da superfície.

Sua mente ficou inquieta. A intuição ansiosa que tinha há alguns minutos se transformara em apreensão pesarosa. Tinha que voltar.

Refez o caminho até a saída do buraco. Parecia bloqueada. Teve que forçar por três vezes para conseguir sair.

Não havia mais a sala de dispensa. Não havia mais templo. Nem a quadra que estava acostumado a percorrer de bicicleta e a praça onde rotineiramente lanchava. Não havia mais nada, em lugar nenhum. Nem ninguém.

Tudo estava destruído, reduzido a escombros. Começou a correr sem direção, procurando, aos berros, por algum sobrevivente. Correu e gritou por horas. Depois, caminhou e chamou por alguém durante dias. Não encontrou ninguém. Desistiu após duas semanas de tentativas frustradas.

Voltou para o buraco. Entrou na caverna. Estava jogado num canto, inexpressivo; no entanto, segurava desinteressadamente a estátua entre as mãos. Não tinha ninguém para compartilhar sua descoberta.

Anos depois, decifrou as inscrições nas paredes: “seu maior desejo pelo seu maior tesouro”. Tinha, enfim, conseguido o que queria: ficar sozinho.

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